– A "criancinha" morreu – disse "Dario" , assim que eu cheguei ao Asilo e ele veio ao meu encontro para jogarmos Dominó.
– Qual "criancinha" que morreu? – perguntei.
– Aquela que tinha um pedaço faltando – respondeu ele, sinalizando com o braço que o pedaço que faltava à "criancinha" era uma perna.
Em sua linguagem metafórica e de poucas palavras, "Dario" estava me dizendo que um dos velhinhos havia morrido. Vim saber depois que a "criancinha" era o senhor Pedro Veríssimo, 81 anos, que havia tido uma perna amputada devido a problemas causados pelo Tabagismo.
Naquele lugar, a Morte é uma companhia constante e implacável. Nas fotografias expostas no salão principal do Asilo, se pode notar, claramente, a ação dela. Quase todos que aparecem nas fotos já morreram. Seu Pedro era apenas mais deles.
Irmã Fabíola perguntou se eu podia ir até o cemitério com ela para acompanhar o enterro e trazê-la de volta depois. Nenhum dos parentes de Seu Pedro apareceu para o velório na pequena capela existente ali e muito utilizada.
– Nunca apareceram quando ele era vivo, vão aparecer agora que ele morreu? – pergunta, com muita lucidez, um dos internos.
Eu e alguns internos jogamos Dominó até que Neide – funcionária que lá trabalha há 13 anos – nos desalojou de nossa mesa, para passar o pano no chão e limpar o ambiente. Enquanto guardava o Dominó, vi a velha Santana Quantum da funerária chegar e seguir na direção da capela.
Na capela, algumas Irmãs fizeram uma oração de despedida enquanto o motorista da funerária tentava encontrar alguns pregos para fixar a tampa do caixão, pois, ele havia esquecido os parafusos feitos para esse fim na funerária. Depois de fixada a tampa do caixão com os pregos que um dos funcionários do Asilo conseguiu encontrar no Almoxarifado, o caixão foi colocado na traseira do velho carro.
– Quando é alguém com mais dinheiro, vem um carro maior. Quando é alguém mais pobre, vem esse carro aí – diz Irmã Fabíola, mostrando que até na Morte há distinção entre Ricos e Pobres.
Saímos do Asilo em direção ao Cemitério. O velho Santana Quantum seguiu na frente e eu, Irmã Fabíola e Érica – que se prepara para ser freira – seguimos atrás, no meu carro. Cruzamos a cidade em velocidade normal, passando por veículos e pedestres que não se deram conta da nossa carga e nem do nosso destino.
Chegamos ao Cemitério e apenas um funcionário administrativo e o coveiro nos aguardavam. O funcionário conferiu a papelada e o motorista e o coveiro colocaram o caixão no carrinho próprio para o transporte. Terminava ali o trabalho do motorista da funerária e o funcionário do Cemitério retornou para o escritório.
Irmã Fabíola, Érica, eu e o coveiro seguimos para o local onde o falecido será enterrado. Passamos pela área de túmulos de pedras e seguimos para a área de covas abertas diretamente no chão – evidência de mais uma divisão entre Pobres e Ricos.
Atravessamos quase todo o Cemitério para chegar ao nosso destino – o local mais distante da entrada. Uma cova previamente aberta nos aguardava. Só que não havia mais homens para ajudar e eu e o coveiro tivemos que nos virar sozinhos. Ele entrou na cova, pegando numa ponta do caixão, enquanto eu, na outra ponta, segurando duas cordas, o ajudei a por o caixão dentro da cova.
Uma mulher que por ali passava reconheceu a Irmã Fabíola e se juntou a ela e a Érica para uma última oração. Quando o coveiro começou, com a pá, o trabalho de cobrir o caixão com a terra da cova aberta, eu falei:
– Da terra viemos e para a terra voltaremos. Ó Deus, Te agradecemos o privilégio que nos deste de conviver com o Seu Pedro.
Silenciosamente, no meu coração, agradeci o privilégio de enterrá-lo na companhia de quem amou Seu Pedro em vida.
– Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes – disse Jesus.
Bjs Bento Souto
Um comentário:
Bento, querido. Emocionei-me com o relato. Comecei recentemente a ler seu blog e estou encantada. Beijos sinceros à você, à irmã Fabíola e aos doces velhinhos do asilo.
Priscilla
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