quinta-feira, julho 02, 2009

O BANQUEIRO DOS POBRES – SUBORNO E DESVIO DE DINHEIRO!

Em 1984, quando ficou claro para o Banco Mundial que não permitiríamos que se metessem na direção do Grameen, eles desistiram de nós e resolveram formar a sua própria organização de microcrédito em Bangladesh, onde mesclavam nosso modelo de empréstimo a atividades não ligadas a crédito de outras organizações sem fins lucrativos bem-sucedidas no país. Achei a idéia não realista e lhes disse isso.


 

O governo de Bangladesh aceitou nossa avaliação e resistiu à iniciativa do Banco Mundial, o qual parece não ter aprendido nada com nossa argumentação da inviabilidade da sua proposta. Pelo contrário, retirou do documento do projeto recusado o nome "Bangladesh" e o ofereceu ao governo de Sri Lanka.


 

As instituições de ajuda multilateral têm muito dinheiro para distribuir com quantias estabelecidas para cada país. Quanto mais dinheiro concederem, melhor seu conceito como doadores de empréstimo.


 

Em meu trabalho em Bangladesh vi o desespero dos funcionários dos organismos doadores para conceder maiores quantidades de dinheiro. Eles fazem o que for preciso para conseguir isso: subornam direta ou indiretamente funcionários do governo ou políticos; alugam casas para instalar o escritório do projeto; providenciam viagens ao exterior para o funcionário do governo, organizando seminários e congressos em cidades que ele quer visitar.


 

Um funcionário de uma instituição financeira doadora me confidenciou que não conseguia fazer seu projeto avançar, atravancado pela burocracia de Bangladesh. Ele teria então aceitado uma proposta de financiar um outro projeto, de 5 milhões de dólares, na área residencial do funcionário do governo responsável pela aprovação do projeto inicial, este de 100 milhões. (Considerei inútil até mesmo esse projeto maior, para o qual ele estava tão ansioso em obter aprovação do governo de Bangladesh.)


 

Fiquei chocado quando ouvi essa história e os detalhes do projeto de 5 milhões de dólares que ele concordara em financiar.

- Você sabe muito bem que esse dinheiro simplesmente irá para o bolso dos amigos dos funcionários do governo.

O funcionário do organismo doador disse:

- Claro que sei. Mas esse é o preço que estou disposto a pagar pela aprovação do meu projeto.

- Você quer dizer que está havendo suborno! - disse, indignado.

- Bom, eu não penso assim. Esse é um projeto legítimo, que vai ser submetido ao processo de avaliação.


 

O dinheiro do suborno seria fornecido por uma instituição internacional. E o pior disso tudo: o povo de Bangladesh é que iria pagá-lo, com juros.


 

Em outros casos os consultores, fornecedores e empreiteiros facilitam o mecanismo do suborno. Afinal de contas eles são os maiores beneficiários dos projetos financiados. Os cálculos de uma instituição de pesquisa nos mostram que, dos mais de 30 bilhões de dólares em ajuda externa recebidos nos últimos 26 anos, 75% nunca chegaram realmente a Bangladesh na forma de dinheiro. Em vez disso eles vieram como equipamento, commodities, suprimentos e o custo de consultorias, contratantes, conselheiros e especialistas.


 

Alguns países ricos usam o orçamento de ajuda externa para empregar suas próprias pessoas e vender seus próprios bens. Os 25% restantes que efetivamente chegaram a Bangladesh na forma de dinheiro foram para as mãos de uma pequena elite local de fornecedores, empreiteiros, consultores e especialistas. A maior parte desse dinheiro é usada na compra de bens de consumo importados que de nada valem para a nossa economia ou para a força de trabalho do nosso país. E há uma crença generalizada de que grande parte do dinheiro dos doadores acaba sendo dada a funcionários e políticos como suborno para definir decisões de compras e assinaturas de contratos.


 

O problema é o mesmo em todo o mundo. A base da ajuda internacional é de 50 a 55 bilhões de dólares anuais. E muitos dos projetos financiados com esse dinheiro criam burocracias governamentais imensas, que se tornam corruptas e ineficientes e logo se desviam dos objetivos originais. A ajuda é dada com a suposição de que o dinheiro deve ir para os governos. Num sistema que alardeia a superioridade da economia de mercado e da livre empresa, o dinheiro da ajuda internacional acaba sendo destinado à expansão dos gastos governamentais, atuando freqüentemente contra o interesse da economia de mercado.


 

Já afirmei muitas vezes que o dinheiro gasto em infindáveis burocracias seria muito mais bem aproveitado se fosse dado como crédito às pessoas mais necessitadas do nosso país. Por exemplo, pôr nas mãos dos 10 milhões de famílias mais pobres de Bangladesh, como crédito, a soma de 100 dólares exigiria 1 bilhão de dólares à vista. As famílias beneficiárias poderiam investir esse dinheiro em empreendimentos que aumentariam a sua renda. Se 90% do dinheiro fosse recuperado, teríamos criado um fundo rotatório de 900 milhões de dólares, a ser reciclado como empréstimos sucessivas vezes.


 

A ajuda externa normalmente vai para a construção de estradas, pontes, etc. que supostamente ajudam "a longo prazo" os pobres. Mas a longo prazo o pobre e faminto vai morrer. E do mundo real nada vai para ele.


 

Não me oponho à construção de estradas e pontes. Mas elas fazem sentido apenas quando os pobres podem se beneficiar da sua existência. E isso normalmente não acontece.


 

Os principais beneficiados, direta e indiretamente, por essa ajuda são os ricos, embora tudo seja feito em nome dos pobres. A ajuda externa se torna caridade para os poderosos. Se se pretende que ela tenha algum impacto na vida dos pobres, é preciso redirecioná-la de modo que atinja os domicílios diretamente, sobretudo as mulheres dos lares mais pobres. Acho que uma nova metodologia de ajuda precisa ser pensada com novos objetivos.


 

Atacar diretamente a pobreza deve ser o objetivo de toda ajuda para o desenvolvimento, que deve ser considerado uma questão de direitos humanos, e não uma questão de crescimento do PNB, que considera que, se uma economia nacional melhora, os pobres se beneficiarão disso.


 

A concepção de desenvolvimento precisa ser redefinida: desenvolvimento deve significar uma mudança positiva no status econômico dos 50% da população que vivem em condições de vida inferior. Se não ajudar a melhorar a condição econômica dessa faixa da população, então não se trata de ajuda para o desenvolvimento. Em outras palavras, é preciso julgar e medir o desenvolvimento econômico pela renda real per capita dessa população.