quarta-feira, novembro 10, 2010

O QUE FIZERAM COM O MEU NORDESTE?

Escrevi o texto abaixo em 18/05/2001 e O Jornal da Tarde, de São Paulo, o publicou em 10/07/01. Na época, Fernando Henrique Cardoso era o Presidente da República. Portanto, o texto que você lê agora não foi escrito contra um Governo, mas para demonstrar os efeitos de uma Política sobre um povo.
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O QUE FIZERAM COM O MEU NORDESTE?

Quando saí do Nordeste em 1981, daqui levei uma a visão de que o Nordestino era "um valente", homem de "honra" e extremamente "trabalhador". Além de tudo isso, uma das características que eu mais admirava era a sua inteligência em lidar com situações adversas que desmontariam completamente outros povos. Quando voltei, 20 anos depois, descobri uma outra realidade.

O nordestino "valente" e "trabalhador" aderiu aos benefícios do FUNRURAL. Ou seja, "se aposentou". Mesmo que com R$181,00 por mês. Enquanto viajava fazendo uma pesquisa por parentes antigos, no sertão (na divisa da Paraíba com o RN), não via plantações. Perguntei a um tio-avô: por que ninguém planta nada, já que há tanta água (havia em relação ao inverno do ano passado)? A resposta dele valeu mais do que mil horas de conferências políticas.

"Meu filho, quem é que vai querer plantar e correr o risco de perder? Ninguém mais quer trabalhar na lavoura. Em quase todas as famílias existe um aposentado, quando não dois (o homem e a mulher). Com essa renda eles se mudam para a cidade e só vem ao sítio para visitar. Afinal, lá tem energia, televisão, escola pertinho, e os filhos (ah, esses são os principais) não querem nem saber de voltar a viver no campo".

Na pequena cidade de Parelhas-RN, ouvi de um outro tio-avô que lá vive: "Meu filho, antes a gente podia dormir de portas abertas que ninguém 'mexia' nas coisas da gente. Agora, se deixar fácil os ladrões roubam. Esses vagabundos que ficam "fumando maconha" e sem ter o que fazer o resto do tempo. Quando eles se juntam com essas meninas de hoje, umas sem-vergonha que vivem igual cachorra no cio se deitando com tudo que é macho que se engraçam por elas. Também, não poderia ser diferente, com a televisão mostrando coisas que eles não podem comprar...aí eles roubam o que não podem comprar ou imitam o que podem"!!

"Sei não, visse?" mas sou obrigado a concordar com o velho ditado nordestino: "Quem dá uma esmola a um pobre que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão!" Acho que Luiz Gonzaga e Gilberto Freire não reconheceriam mais o Nordeste. Acho que outro ditado diz tudo: "Pobre é apenas pobre, mas tem uns intelectuais que acham que pobre é burro". Continuem mandando dinheiro para cá que "os nordestinos agradecem". Só não esperem que as coisas mudem apenas com dinheiro e "educação".

Essa situação do Nordeste parece com outra que eu conheci. Em 1999, quando estive em Porto Rico, perguntei a um porto-riquenho qual o motivo deles terem dito NÃO em dois plebiscicitos a proposta de se tornarem o 51 (quinquagésimo primeiro) estado americano. A resposta dele foi bem elucidativa: "Por que comprar a vaca quando se pode ter o leite de graça?". Ou seja, o que ele estava dizendo é que sendo porto-riquenho, ele tinha todos os benefícios dos EUA sem pagar os impostos.

O pior é que quem se levanta contra essa situação é logo rotulado de alguma coisa. As vezes sou tentado a pensar que não gostaria de ver o que vejo, mas acabo escolhendo a opção que diz Zé Ramalho em "Uma Canção Agalopada"

"Pode ser que ninguém me compreenda
Quando digo que sou visionário
Pode a bíblia ser um dicionário
Pode tudo ser uma refazenda
Mas a mente talvez não me atenda
Se eu quiser novamente retornar
Para um mundo de leis me obrigar
A lutar pelo erro do engano
Eu prefiro um galope soberano
À loucura do mundo me entregar"

Concluindo, também acho que aconteceu conosco (nordestinos) o que já descreveu um escritor:

"Os homens deixaram de temer a Deus. Passaram a temer outros homens. Os homens deixaram de temer o Inferno. Trouxemos uma parte dos sofrimentos dele para o nosso meio."

Somente Deus pode mudar a nossa situação! Que Ele o faça logo é a minha súplica, e o meu desejo é que Ele me livre de pensar que o "bem não compensa"!

Abraços

Bento Souto