quarta-feira, maio 27, 2009

O BANQUEIRO DOS POBRES – Trocando a teoria pela Realidade

Decidi voltar a ser estudante. Jobra seria minha universidade; os habitantes da cidade, meus professores.

Firmei o propósito de aprender o máximo possível sobre a aldeia. Para mim isso representaria uma oportunidade de vir a compreender a vida real de uma pessoa pobre. Com isso eu já teria dado um grande passo em relação ao ensino acadêmico. Ao tentar oferecer aos estudantes uma espécie de visão panorâmica, as universidades tradicionais haviam criado uma enorme distância entre os alunos e a realidade da vida. Quando podemos segurar o mundo na palma da nossa mão e o vemos panoramicamente, tendemos a nos tornar arrogantes - não percebemos que ao olhar as coisas de uma grande distância tudo fica borrado. O resultado é que acabamos por imaginar as coisas em vez de enxergá-las.

Então resolvi observar as coisas de perto; achei que se assim o fizesse eu as veria mais nitidamente.

Sentia-me dominado por um sentimento de impotência diante do fluxo cada vez maior de famintos a Daca. Organizações sociais criaram centros de fornecimento de comida em várias partes da cidade.

Os vários bairros se esforçavam por encontrar comida. Mas quantos homens poderiam ser alimentados cotidianamente? A fome se exibia em pleno dia, em todo o seu horror.

Eu tentava superar esse sentimento de impotência redefinindo meu papel. Obviamente não me seria possível ajudar muitas pessoas, mas eu poderia certamente me tornar útil a pelo menos um de meus semelhantes. Isso seria para mim uma grande satisfação pessoal. A idéia de dar uma ajuda verdadeira, mesmo que em pequena escala, em vez de me contentar com palavras, me devolvia a esperança. Senti-me reviver. Quando comecei a visitar famílias pobres de Jobra, sabia muito bem o sentido de minha busca. Mais que nunca, sabia aonde ia.

Comecei, pois, a visitar as famílias de Jobra para ver se podia ajudá-las diretamente de algum modo. O professor Latifee, meu colega, me acompanhava habitualmente. Ele conhecia a maioria das famílias e sabia melhor que ninguém como deixar à vontade as pessoas da aldeia.

Jobra se dividia em três setores: o muçulmano, o hindu e o budista. Quando visitamos o setor budista, levamos conosco nosso aluno Dipal Chandra Barua. Nascido numa família budista pobre de Jobra, ele estava sempre disposto a ser útil.

Um dia Latifee e eu nos detivemos diante de uma casa meio arruinada. Havia nela uma mulher que trabalhava o bambu para fabricar um tamborete. Não precisamos fazer um grande esforço de imaginação para adivinhar que sua família tinha todas as dificuldades do mundo para sobreviver.

- Gostaria de conversar com ela.

Latifee me conduziu por entre galinhas e vasos de plantas.

- Tem alguém aí? - perguntou ele de modo amável. Inteiramente absorta em seu trabalho, a mulher estava sentada na entrada da casa, sob o teto de palha apodrecida. Acocorada no chão, prendia entre os joelhos o tamborete já quase concluído, trançando os talos de bambu.

Ouvindo a voz de Latifee, ela rapidamente abandonou o trabalho, ergueu-se de um salto e desapareceu no interior da casa.

- Não tenha medo - disse-lhe Latifee. - Nós não somos estranhos. Somos professores da universidade. Somos vizinhos. Só queremos fazer algumas perguntas.

Tranqüilizada pelo tom cordial de Latifee, ela respondeu baixinho:

- Não tem ninguém em casa.

Ela queria dizer que não havia nenhum homem. Em Bangladesh as mulheres não devem falar com homens, a não ser que se trate de parentes próximos.

No pátio, crianças nuas davam cambalhotas. Surgiram vizinhos, que nos examinavam, imaginando o que teríamos ido fazer ali.

No setor muçulmano da cidade era freqüente que, ao falarmos com uma mulher, precisássemos fazê-lo com um tabique a nos separar de nossa entrevistada. O costume muçulmano do purdah*, que leva as mulheres casadas a se isolar do mundo externo, era estritamente observado. Essa era a razão pela qual eu precisava recorrer a uma intermediária, aluna ou estudante local, para conversar.

------------------------

purdah* - Literalmente, "cortina" ou "véu".(N.T)

Nenhum comentário: