segunda-feira, maio 25, 2009

O BANQUEIRO DOS POBRES – Gente morrendo de fome!


 

A aldeia de Jobra: Dos manuais à realidade


 

O ano de 1974 marcou-me como nenhum outro. Foi o ano da terrível fome que se abateu sobre Bangladesh.

A imprensa publicava reportagens terríveis, divulgando o número de mortos e de desnutridos nas aldeias distantes e nas capitais regionais do norte. A universidade onde eu exercia as funções de chefe do departamento de economia se situava na extremidade sudeste do país, e num primeiro momento não demos muita atenção ao fato. Mas começavam a surgir nas estações ferroviárias de Daca [capital de Bangladesh] homens e mulheres esqueléticos. Pouco depois, mortos. De casos isolados passamos para um fluxo ininterrupto de famintos a invadir Daca.

Eles estavam por toda parte. Era difícil distinguir os vivos dos mortos. Homens, mulheres, crianças: todos se pareciam. Sua idade também era algo insondável. Os velhos tinham aspecto de crianças, as crianças pareciam velhos.

O governo providenciou pontos de distribuição de sopa para os pobres, mas o alimento se esgotava muito antes de ser servido a todos.

Os jornalistas tentavam alertar a opinião pública. Institutos de pesquisa procuravam reunir informações quanto à origem dos famintos e suas possibilidades de sobrevivência.

Organizações religiosas se esforçavam por juntar os corpos a de lhes oferecer uma sepultura decente. Mas os cadáveres se acumulavam num ritmo tão acelerado que foi preciso rapidamente desistir da idéia.

Era impossível não ver esses famintos, impossível ignorar a sua existência. Eles estavam em toda parte, esguios, muito calmos.

Não gritavam nenhum slogan. Nada esperavam de nós. Estendidos na entrada de nossa casa, não nos condenavam por estarmos bem alimentados, a salvo da necessidade.

Morre-se de muitos modos, mas a morte por inanição é a mais inaceitável. Ela acontece lentamente. Segundo após segundo, o espaço entre a vida e a morte se reduz de modo inapelável.

Num determinado momento a vida e a morte ficam tão próximas que se tornam quase indistintas, e não se sabe se a mãe e o filho, prostrados ali no chão, ainda estão entre nós ou já partiram para o outro mundo. A morte sobrevém a passos tão silenciosos que não percebemos a sua chegada.

E tudo isso pela falta de um punhado de comida. Em torno desses famintos as pessoas matam a fome, mas eles não. O bebê chora, depois acaba por dormir, sem o leite de que precisa. Amanhã talvez ele já não tenha a força necessária para chorar.

Lembro-me de meu entusiasmo ao ensinar as teorias econômicas, mostrando que elas apresentavam respostas para problemas de todos os tipos. Eu era muito sensível à sua beleza e elegância. Mas de repente comecei a tomar consciência da inutilidade desse ensinamento. Para que poderia ele servir, quando as pessoas estavam morrendo de fome nas calçadas e diante dos pórticos?

A partir de então comecei a achar que minhas aulas eram uma sala de cinema onde podíamos relaxar, tranqüilizados pela vitória certa do herói. Eu sabia desde o início que todo problema econômico encontraria uma solução elegante. Mas a partir do momento que saía da sala de aula me confrontava com o mundo real. Lá os heróis eram moídos de pancadas, selvagemente pisoteados. Via a vida cotidiana tornar-se cada vez mais dura e os pobres ficarem cada vez mais pobres. Para eles, morrer de inanição parecia ser a única saída.

Assim, onde estava a teoria econômica que dava conta de sua vida real? Como continuar a contar histórias de faz-de-conta a meus alunos em nome da economia?

Eu só tinha um desejo: sair pela tangente, abandonar os manuais, fugir da vida universitária. Queria compreender a realidade que cerca a existência de um pobre, descobrir a verdadeira economia, a da vida real –e, para começar, a da pequena aldeia de Jobra.

Jobra ficava perto do campus; mais precisamente, a universidade tinha sido construída perto da aldeia...


 

Muhammad Yunus

(O Banqueiro dos Pobres - Editora Ática, 2000)

----------------------------

Para mim, é impossível ler isso e não lembrar que é assim também no Brasil e em vários lugares do mundo. Só não vê que há algo errado com muitas das nossas teorias quem se recusa a ver ou desvia o olhar da vida real. As palavras de Jesus tornam-se tão fáceis de entender para quem não se nega a olhar.

A história de Yunus – O Banqueiro dos Pobres, continua. Através dela, espero que você veja como Deus age fora dos ambientes dos templos religiosos e, quase sempre, em confronto com os senhores da religião e da cultura.


 

Bjs Bento

Nenhum comentário: