Aqui estão minhas idéias, reflexões e tudo mais que eu achar legal de registrar. Espero que vocês gostem. Bjs Bento
terça-feira, abril 12, 2011
"Seu Manoel", MERCÊS e JEAN-DOMINIQUE BAUBY
"Seu Manoel" se encontrava sentado/deitado numa cadeira, impossibilitado de se mover, a menos de dois metros da mesa em que eu jogava Dominó com outros internos. O "anjo de Deus" que cuida da cozinha se aproximou dele e disse:
-- "Seu Manoel", isso aqui ainda não é o almoço. É só um lanche -- e começou a colocar aquele líquido pastoso na boca do "Seu Manoel".
Achei ter visto um brilho de satisfação nos olhos de "Seu Manoel", após ele ter engolido a primeira colherada.
-- Olá, Bento, bom dia. Que bom que você veio -- disse a Irmã Fabíola, o "anjo de Deus" que é o "faz tudo" naquele Asilo, cerca de uma hora depois, ao passar por mim e se dirigir ao "Seu Manoel".
-- Olá, "Seu Manoel", como vai o senhor, hoje? -- perguntou a Irmã Fabíola, enquanto removia o mosquiteiro que o cobria e começava a examiná-lo.
Mais uma vez, eu pensei ter visto os olhos de "Seu Manoel" se iluminarem quando a Irmã Fabíola o tocou e começou a dizer-lhe palavras carinhosas e de estímulo. Não resisti e perguntei:
-- O que é que ele tem?
-- Ah, são tantas coisas...
-- Ele consegue falar?
-- Uma palavra aqui e acolá com extrema dificuldade.
O Dominó e os internos com os quais eu jogava demandavam a minha atenção. Porém, de soslaio, (sempre quis escrever essa palavra num texto.. rsrs) eu continuava prestando atenção no trabalho da Irmã Fabíola e esperando que algum sorriso brotasse da boca sem dentes de "Seu Manoel".
Uns três minutos depois, "Seu Manoel" pronunciou uma palavra. Por mais que eu tente, não consigo lembrar que palavra foi. Contudo, naquele instante uma possibilidade criou raízes em meu coração. Permita-me explicar.
Eu já exercito a comunicação de uma só palavra com pessoas portadoras de deficiências auditivas profundas. Há alguns meses, eu visitei Mercês, que faleceu na semana passada, aos 90 anos. Mercês ficou muito feliz com apenas duas palavras que eu pronunciei separadas uma da outra por minutos.
ELEGANTE. Era assim que eu lembrava de Mercês há quarenta e poucos anos, quando minha tia me levava ao escritório onde elas trabalhavam.
CHEIROSA. Por onde Mercês passava, o cheiro agradável dos perfumes que ela usava impregnavam o ambiente.
Mercês riu muito e discorreu durante vários minutos, com os olhos brilhando de alegria, sobre aquele tempo maravilhoso em que eu convivi com elas. A mente dela estava lúcida. As palavras fluíam claras e cheias de significado. Naquele instante, eu entendi que ela apenas não conseguia ouvir. Mas a mente continuava a funcionar perfeitamente.
Juntando a experiência de Mercês com a do jornalista francês Jean-Dominique Bauby, que sofreu um acidente vascular cerebral e ficou "preso no próprio corpo" (Locked-in Syndrom), completamente imobilizado (a exceção da sobrancelha esquerda, que ele passou a usar para se comunicar com o mundo), eu acalentei no meu coração a possibilidade de que a mente de "Seu Manoel" possa estar funcionando.
Sim, em ambientes como aquele Asilo, há muitas pessoas com a Mente em pior estado do que o Corpo. São aqueles para quem o Alzheimer já é uma realidade visível. Ou, outros, para quem o exagero no uso de substâncias entorpecentes (como o alcóol e as drogas) provocaram danos irreversíveis na Mente.
No entanto, aquela experiência com o "Seu Manoel" me fez considerar, seriamente, a possibilidade de que ali mesmo, perto de mim, possa haver pessoas com a Mente funcionando, mas sem poder responder com o Corpo.
Que Deus continue me ensinando aquilo que Salomão já dizia há milênios atrás:
"Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração".
Abcs Bento Souto
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