segunda-feira, junho 29, 2009

O BANQUEIRO DOS POBRES – O BANCO MUNDIAL


 

Banco Mundial Washington D.C., 1993


 

Foi um longo caminho percorrido, dos 27 dólares emprestados a 42 pessoas em 1976 até os 2,3 bilhões de dólares emprestados a 2,3 milhões de famílias em 1998. Em 1997 realizou-se a Conferência do Microcrédito, que lançou uma campanha de âmbito mundial para atingir 100 milhões de famílias no ano 2005. Os programas do Grameen se estendem por todo o mundo, do Equador à Eritréia, de ilhas no círculo polar ártico até Papua-Nova Guiné, no sul, dos guetos do centro de Chicago até as comunidades remotas das montanhas do Nepal.


 

Mas estamos em novembro de 1993, uma ocasião extremamente importante para o Grameen, porque finalmente as nossas idéias chegaram ao local sagrado dos países doadores. Fui convidado pelo presidente do Banco Mundial para falar à Conferência Mundial da Fome, na sede do Banco Mundial, em Washington D.C. Ao me levantar para falar, imagens daquelas mulheres batalhadoras passam por minha mente.


 

Detenho-me e olho pensativamente para a audiência. Quem teria imaginado que, vindo de meu escritório em Mirpur, um bairro de Daca, localizado defronte a uma favela, eu estaria aqui, no centro internacional do mundo financeiro, desafiando o Banco Mundial com um discurso que relataria nossas experiências e nossos métodos?


 

Como o Banco Mundial e o Grameen tiveram, ao longo dos anos, tantas contendas e discordâncias, às vezes se comenta que ambos prezam essa briga. Alguns funcionários do Banco Mundial até entenderam a razão do microcrédito, mas nossos estilos são tão radicalmente diferentes que eles não poderiam nos dar a assistência ou a ajuda de que precisávamos. Durante muitos anos o Grameen gastou muito tempo e energia nessa contenda com o Banco Mundial.


 

Diante daquela audiência me lembrei da teleconferência ocorrida no Dia Mundial da Alimentação, em 1986. Patricia Young, coordenadora nacional da Comissão Americana do Dia Mundial da Alimentação, havia me convidado para participar de uma mesa-redonda, junto com o então presidente do Banco Mundial, Barber Conable, numa teleconferência que seria televisionada para trinta países. Apesar de não ter idéia do que fosse uma teleconferência, aceitei o convite. Era uma oportunidade para explicar por que eu achava que o crédito devia ser considerado um direito do homem e como ele podia exercer papel estratégico na eliminação da fome da face da Terra.


 

Essa teleconferência deu início à rixa. Não tinha intenção de chamar para briga o presidente do Banco Mundial, mas fui forçado. Ele comentara que o Banco Mundial fornecia ajuda econômica ao banco Grameen em Bangladesh. Achando que devia corrigir a informação errada, educadamente disse que o Banco Mundial não fizera isso. Duas vezes mais, ignorando meus protestos, Conable repetiu que o Banco Mundial dava ajuda financeira ao banco Grameen. Não queria passar por mentiroso, então insisti: "Nós, do banco Grameen, nunca quisemos ou aceitamos dinheiro do Banco Mundial, porque não gostamos do modo como ele realiza seus negócios. Qualquer projeto que financiam acaba sendo assumido por seus especialistas e consultores. Eles não descansam enquanto não moldam o projeto do seu modo. Não queremos intromissão no sistema que nós construímos e não aceitamos ordens que modifiquem nossa maneira de conduzir o negócio".


 

Foi nesse ano que rejeitamos a oferta de um empréstimo a juros reduzidos de 200 milhões de dólares feita pelo Banco Mundial.


 

Já que o sr. Conable havia me levado para o ringue, eu o enfrentaria. Segundo ele, o Banco Mundial empregava os melhores cérebros do mundo, portanto as suas soluções eram sempre as melhores. Contestei: "A contratação de grandes cérebros não se traduz necessariamente em políticas e programas que ajudam as pessoas, particularmente os pobres. De que adianta serem eles os melhores do mundo, se pairam acima das nuvens e não conhecem a vida terrena? O Banco Mundial devia contratar pessoas que entendessem o pobre e a sua vida. Esse conhecimento tornaria esta instituição mais útil do que é atualmente".


 

Acho muito constrangedor o estilo dos doadores multilaterais de fazer negócios com os pobres. Posso citar minha experiência com o Projeto Dunganon na ilha de Negros, nas Filipinas. A ilha era muito pobre e mais da metade de suas crianças eram subnutridas. Em 1988, foi iniciado o Projeto Dunganon, que era baseado no nosso. Em 1993, a dra. Cecile del Castillo, ainda inocente com relação à natureza e aos hábitos de trabalho dos consultores internacionais, pediu dinheiro ao IFAD (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) para ajudar a expandir o seu programa. O IFAD, organismo das Nações Unidas, com sede em Roma, criado para dar ajuda à população rural carente, concordou prontamente com o pedido de ajuda feito por Cecile del Castillo, mandando quatro missões para investigar a sua proposta. Gastou milhares de dólares em passagens aéreas, diárias e honorários, mas o projeto nunca recebeu um único centavo.


 

Entretanto isso resultou num acordo assinado, em 1996, entre o governo das Filipinas, o Banco do Desenvolvimento da Ásia e o IFAD. O acordo determinava que o Banco do Desenvolvimento da Ásia e o IFAD deviam emprestar 37 milhões de dólares às Filipinas para dar sustentação a programas de microcrédito. Devido a complicações burocráticas, até março de 1998 esse dinheiro ainda não estava disponível. Depois de cinco anos, durante os quais especialistas analisaram o projeto e gastaram centenas de milhares de dólares, as famílias pobres da ilha de Negros ainda não tiveram o aumento dos empréstimos do programa de microcrédito que a sua situação calamitosa exigia.


 

Não posso deixar de pensar que se o projeto da ilha de Negros simplesmente tivesse recebido uma quantidade igual à do custo de uma única missão do IFAD o microcrédito teria sido capaz de atingir muitas centenas de famílias pobres.

=====================


 

Não posso deixar de notar as similaridades entre o "mundo social" e o "mundo religioso". Em ambos, alguns participantes de certas organizações acham que são os "senhores do saber", mesmo que nem conheçam a vida daqueles a quem dizem desejar ajudar.


 

Outra similaridade inquietante é que os recursos, muitas vezes, se esvaem em "despesas administrativas e com o staff" e não atingem quem se deseja ajudar.


 


 

Bento Souto

Um comentário:

Moisés Lourenço Gomes disse...

Passando para dizer que eu estou por aqui!

Continue movimentando este blog ;)