A consultoria é uma atividade respeitável. Mas em países dependentes da ajuda de doadores ela perdeu o seu significado original e se tornou algo muito preocupante. Todos sabem o quanto os países do Terceiro Mundo se tornaram dependentes dos doadores. Mas não se avalia o quanto a burocracia os tornam dependentes dos consultores.
Uma categoria específica de consultores é exímia em produzir pilhas de documentos, bem-encadernados e bem-impressos. A qualidade desses documentos não interessa a ninguém. Um número cada vez maior de consultores internacionais está se notabilizando em vender seus serviços no ramo de ajuda externa. Atualmente é considerado o melhor consultor aquele que pode justificar, convincentemente, decisões que já foram tomadas pelos funcionários dos doadores.
Quando visitam um candidato a doação, os consultores fingem que estão interessados em seus apelos. Mas suas conclusões, em quase todos os casos, já estão preestabelecidas pelos organismos doadores que representam. Eles trabalham dentro daquela orientação, porque assim vão poder ser novamente contratados. Muitas vezes, os consultores são como técnicos de futebol que nunca jogaram ou viram um jogo de futebol em sua vida. Técnicos de futebol cujo único jogo que já jogaram foi o vôlei.
Considero que o crescimento da atividade de consultoria desencaminhou gravemente os organismos doadores internacionais. A existência do consultor pressupõe que o país beneficiário precisa ser guiado passo a passo na identificação, preparação e implementação do projeto. Os doadores, e os consultores por eles empregados, tendem a assumir uma atitude arrogante em relação aos países beneficiários.
Os consultores têm um efeito paralisante sobre os países beneficiários. Atualmente os funcionários e os acadêmicos dos países beneficiários aceitam os números mencionados nos documentos dos doadores preparados pelos consultores. Não apresentam seus próprios fatos e números.
Sei que os organismos doadores são bastante pressionados para usar a verba destinada para fins de doação dentro de cada ano fiscal; e os caros consultores têm a excepcional qualidade de dar ao trabalho um aspecto de profissionalismo. Os países beneficiários acham ótimo poder deixar os detalhes para os consultores, pois quase sempre só estão interessados na quantia que irão receber. Quando o acordo é assinado e os projetos são lançados, começam a surgir os problemas reais. Mas ninguém pensa em culpar os consultores; estes, por sua vez, lançam toda a culpa nos ombros dos países beneficiários. Brincando com os projetos que tratam do destino das pessoas, acabam por ficar com uma parte considerável do dinheiro.
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Esse negócio de doações acabarem enchendo os bolsos de quem diz que quer resolver um problema social se torna explícita nas palavras de José Padilha, diretor dos filmes "Tropa de Elite" e "Ônibus 174"
"Tem ONGs seriíssimas, mas há também as que não são. Quando fiz 'Ônibus 174', olhei a estatística de meninos de rua e ONGs no Rio [Rio de Janeiro]. Eram 3.400 meninos de rua e 1.615 ONGs. Se cada uma pegasse dois, acabava o problema. As ONGs são importantes, mas desconfio da proliferação."
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