Por toda parte havia homens trabalhando, alguns no campo, outros consertando seu riquixá*, outros martelando metal. No campo, em Bangladesh, o trabalho é incessante. Fico sempre impressionado com a agilidade e a força física dos bengalis.
Latifee e eu retomamos o caminho até minha casa, no alto da colina. Quando lá chegamos, num passo lento, atravessamos o jardim com as últimas luzes do dia.
Subir e descer a colina a pé me faz um grande bem. Eu pensava na imensa defasagem existente entre as grandes fórmulas dos governos e as realidades da prática. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem se diz que "toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar sua saúde, seu bem-estar e o de sua família, sobretudo para a alimentação, o vestuário, a moradia, os cuidados médicos, assim como os serviços sociais necessários; tem direito à segurança em caso de desemprego, de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice ou nos outros casos de perda dos meios de subsistência em conseqüência de circunstâncias alheias à sua vontade".
A Declaração exige igualmente que os Estados assegurem "o reconhecimento e a aplicação efetiva" desses direitos.
Parecia-me que a pobreza culminava na negação efetiva de todos os direitos do homem, e não apenas na de um pequeno número deles. Os pobres não têm nenhum direito, independentemente das declarações assinadas pelos governos ou do que eles escrevem em seus grandes livros.
Tentei ver o problema do ponto de vista de Sufia. Como contornar a dificuldade do custo do bambu? Seria preciso subir até o alto do muro? Fazer um desvio? Procurar uma fenda por onde fosse possível passar?
Eu não via solução. Se sua vida era um inferno, isso acontecia porque o bambu custava 5 takas. A complicação toda era apenas essa. Ela não tinha o dinheiro necessário e estava presa nesse círculo vicioso: tomar emprestado do intermediário para lhe vender em seguida o produto de seu trabalho. Impossível sair dessa relação de dependência. Vistas desse ângulo, as coisas pareciam relativamente simples. Tudo o que eu devia fazer era lhe emprestar 5 takas.
Até aquele momento ela havia trabalhado por quase nada. Tratava-se inegavelmente de uma forma de escravidão. O intermediário costumava sempre pagar a Sufia um preço que só permitia a ela reembolsar os materiais e satisfazer suas necessidades elementares, quer dizer, sobreviver, obrigando-a assim a sempre pedir emprestado.
Sufia não sairia desse estado de semi-escravidão enquanto não encontrasse os 5 takas para se libertar. Sua salvação chegaria pelo crédito. Com o crédito ela poderia vender sem constrangimento seus produtos no mercado, obtendo uma melhor margem entre o custo dos materiais e o preço de venda.
No dia seguinte chamei Maimuna, uma aluna que coletava informações para mim, e lhe pedi que preparasse uma relação de todas as pessoas de Jobra que, como Sufia, tomavam emprestado de intermediários e se viam assim destituídas do fruto de seu trabalho.
Uma semana depois a lista já estava pronta. Havia nela 42 pessoas que tinham tomado emprestado um total de 856 takas, ou seja, menos de 27 dólares para o grupo todo.
- Meu Deus, tanta miséria nessas 42 famílias, e tudo isso porque lhes falta o equivalente a 27 dólares! - exclamei.
Maimuna permanecia de pé em silêncio. Estávamos ambos estupefatos, para não dizer indignados, em face de uma tal aberração.
* Veículo leve de duas rodas, com um lugar e puxado por uma pessoa. É usado sobretudo no Extremo Oriente. (N.T.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário