Em 1999, no Recife, enquanto me dirigia pela escada rolante ao piso superior de um shopping, ouvi o que dizia, ao telefone celular, uma jovem que não percebera que eu estava a menos de um metro dela:
-- Sou morena, bonita, tenho dezoito anos, um metro e sessenta e cinco, cabelos pretos, seios médios e firmes, bundinha arrebitada, corpo de modelo, gosto de beijar na boca, faço tudo e... -- ela interrompeu o que dizia, ao perceber a minha presença e se afastar com um sorriso malicioso de quem estava "à venda".
Ainda chocado com o que eu acabara de presenciar, comentei o fato com o taxista que me levava de volta para o trabalho. Aquele homem simples me disse:
-- Mas, "doutor", o que era de se esperar? Essas meninas são bombardeadas o dia todo com propagandas do tênis da moda, do jeans, da bolsa, do celular, do óculos, etc. Aí, elas querem essas coisas, mas não tem dinheiro. Então, para conseguir o dinheiro, elas vendem a única coisa que elas tem: o corpo!
Ontem, 07/10/09, o jornal O Estado de São Paulo publicou reportagem sobre o resultado de uma pesquisa conduzida por psicológos do Instituto WCF (World Childhood Foundation) -- uma ONG criada pela rainha Sílvia, da Suécia, que tem como objetivo "promover e defender os direitos da infância em todo o mundo". A pesquisa apontou entre outras coisas que, diferentemente do que as pessoas pensam, 88% dessas meninas moram com a família; 52% delas são aliciadas para a prostituição pelas próprias amigas; 65% do dinheiro que elas ganham é usado para comprar os mesmos bens de consumo citados pelo taxista do Recife. Ou seja, o taxista além de simples era sábio.
No entanto, eu não estou escrevendo isso para falar que a pesquisa comprova o que o taxista já sabia. Não, estou escrevendo para denunciar a "hipocrisia nossa de cada dia". Sim, pois, veja você que o mesmo jornal que apresenta os resultados dessa pesquisa e publica os escândalos sexuais envolvendo personalidades públicas e prostitutas, também publica em seus Classificados, na seção Relax - Acompanhantes, anúncios do tipo a seguir, com telefones para contato:
"Abigail, virgem, R$ 200, p/ brincar";
"Satiko, japonesinha, 18 anos, iniciante carinhosa";
"Any, 18 anos (loira belíssima), liberal c/ massagem"; etc.
Ora, qualquer um percebe que esses são anúncios de prostituição. Detalhe, essa não é uma prática exclusiva do jornal paulistano. Anúncios de prostituição estão presentes em quase todos os periódicos brasileiros. Que palavra usaremos para descrever essa prática de promover aquilo que se condena? Informação? Serviço? Não, eu prefiro chamar de... hipocrisia.
Hipocrisia, dos jornais, porque lucram com aquilo que aparentam denunciar.
Hipocrisia, das autoridades, que fingem que as prostitutas não existem ao negar-lhes os direitos dos demais cidadãos, para agradar aos religiosos.
Hipocrisia, dos religiosos, que são rápidos em sacar suas bíblias para mostrar nelas que Deus condena a prostituição e que, portanto, reconhecer a profissão de prostituta é ir contra Deus. Entretanto, esses mesmos religiosos esquecem-se que Moisés não inventou e nem concordava com o divórcio -- algo que na bíblia é dito que Deus odeia. No entanto, o legislador do olho por olho e dente por dente não fez de conta que o divórcio não existia. Pelo contrário, ele estabeleceu regras para o divórcio, a fim de salvaguardar as mulheres das injustiças cometidas contra elas pelos homens.
Hipocrisia, dos homens, pois, raros são aqueles que nunca utilizaram os "serviços" de uma prostituta.
Hipocrisia, da sociedade, que finge não ver que as prostitutas existem. Outro dia, enquanto percorríamos a Av. Conselheiro Aguiar, em Recife, a mãe de minhas filhas contou 83 (oitenta e três!) prostitutas (apenas em uma avenida) aguardando homens que as contratassem. Isso sem contar as milhares disponíveis na Internet e nos anúncios classificados dos jornais.
Portanto, somos hipócritas quando negamos às prostitutas os direitos dos demais trabalhadores desse país.
Isso é o que eu penso!
Bento Souto
Um comentário:
Concordo absolutamente irmão! Com os direitos essas mulheres estariam mais seguras!
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